Decisões recentes do Supremo Tribunal Federal, no domínio tributário, estão causando grande aflição – para não dizer horror –, insegurança e maledicência. Mas o alvoroço se deve mais ao açodamento, e por isso, à incompreensão, do que aos próprios efeitos dos julgamentos.

O STF acabou com a coisa julgada!”, “É o fim do estado de direito!”, “Um meteoro atingiu os contribuintes!” foram algumas das exclamações difundidas sobretudo em redes sociais nos últimos dias.

O que exatamente os Ministros da Corte Constitucional decidiram no dia 8 de fevereiro do corrente ano – há poucos dias, portanto – no âmbito do RE 955.227 (Tema 885) e do RE 949.297 (Tema 881) não é o foco da presente manifestação, pois ainda não há um acórdão para ser analisado (voltaremos a este tópico em uma outra oportunidade). Mas a tese genérica que o Colegiado sintetizou a partir destes julgamentos, esta sim com texto já sugerido e anunciado, com efeitos que impactarão todos os contribuintes quando for efetivamente publicada (efeitos erga omnes), estabelece que:

1. As decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral, não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo.

2. Já as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo.”

O tema certamente é robusto, importante, e renderá extensas interpretações e diálogos científicos. Mas também é possível apresentá-lo de maneira sucinta e coloquial, para uma compreensão igualmente para todos.

Quando entrar em vigor essa regra (em breve, quando da sua publicação) as novas decisões do Sumo Tribunal, em sede de ação direta de constitucionalidade ou em recurso com repercussão geral, terão como consequência imediata (também a partir da sua publicação) a revogação (parcial) dos efeitos de eventual decisão anterior da mesma Corte, envolvendo exatamente o mesmo assunto, que tenha sido proferida em controle incidental de constitucionalidade, ainda que transitada em julgado.

Fazendo um parêntesis para explicar, de maneira o mais simples possível: coisa julgada significa decisão judicial final, definitiva; julgamento decorrente de ação direta de constitucionalidade e julgamento de recurso com repercussão geral têm como característica comum precipitar efeitos gerais, para todos (erga omnes), para além das partes que participaram originariamente do processo; e, finalmente, julgamento resultante de controle incidental de constitucionalidade tem como atributo projetar efeitos apenas entre as partes originais do processo.

Voltando ao comentário, daí o alvoroço: o Supremo Tribunal estabeleceu uma exceção aos efeitos da coisa julgada. 

Contudo, é importante voltar ao texto da tese em exame para entender que a mitigação da coisa julgada, quando ocorrer, será relativa, parcial, deverá respeitar “a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo“.

Isto significa, exemplificando, que se um contribuinte obteve, hipoteticamente, no ano de 2020, uma decisão do STF em controle incidental de constitucionalidade (com efeito entre as partes), que o desobrigava de pagar uma obrigação tributária de trato sucessivo qualquer (ICMS, IPI, IRPJ etc.), e se futuramente o mesmo Tribunal vier a analisar o mesmíssimo assunto em sede de ação direta de constitucionalidade ou em recurso com repercussão geral (com efeito erga omnes), e nesta nova oportunidade alterar o seu entendimento anterior decidindo agora que aquela obrigação tributária é devida; então aquele contribuinte estará obrigado a voltar a recolher aquele tributo, mas não os valores que deixou de recolher no passado, estará obrigado a retomar os pagamentos a partir da publicação da nova orientação do STF, e observados ainda os princípios da anterioridade anual e nonagesimal a depender da qualidade da exação. Figurativamente, é como se uma nova lei estivesse recriando o tributo com todos os direitos e garantias constitucionais, privilegiando o preceito da igualdade, da isonomia, garantindo que todos os contribuintes em situação fática idêntica submetam-se, a partir de então, para o futuro, para frente, à idêntica carga tributária.

Houve uma relativização da coisa julgada? Sim, com certeza. É o fim da coisa julgada, do estado democrático de direito, do direito tributário ou dos contribuintes largados à própria sorte (ou azar)? Evidentemente não.

Para não confundir e misturar os assuntos, ainda que correlatos, em novas oportunidades daremos atenção aos efeitos particulares dos dois julgamentos mencionados (RE 955.227 e RE 949.297) envolvendo a CSLL (tema um tanto mais complexo), bem como aos projetos de lei propostos perante a Câmara dos Deputados para regular a mesma matéria.

Alexandre Medeiros Régnier
OAB/PR 24.542
Mestre em Direito pela USP
alexandre@medeirosregnier.adv.br
Categorias: STF